sexta-feira, 13 de maio de 2011

PESQUISA SOBRE O JESUS HISTORICO DE BULTMANN

RUDOLF BULTMANN (1884-1976)‏

Teólogo e escritor protestante alemão. Estudou teologia nas Universidades de Tubinga, Berlim e Marburgo. Professor nesta última universidade desde 1921 até a sua aposentadoria em 1951. Muito discutido, tanto nos círculos protestantes quanto nos católicos, por sua interpretação dos Evangelhos, da pessoa histórica de Jesus e de sua mensagem, aplicou as normas da crítica histórica do século XX, assim como o método das formas ao texto bíblico. Esteve em contato com as correntes filosóficas modernas, valendo-se, principalmente, da análise existencial de M. Heidegger. De imensa erudição e capacidade, é uma figura importante e discutida do pensamento cristão atual.
Seu pensamento está contido principalmente em A história da tradição sinótica (1922), na qual analisa os evangelhos à luz das diferentes formas. E no Novo Testamento e mitologia (1941), obra várias vezes revisada e publicada em dois volumes sob o título de Querigma e mito (1961-1962). Em 1927 surgiram uma série de ensaios e escritos menores de Bultmann com o título de Existência e fé nos quais projeta sua visão cristã através do existencialismo.
Uma análise da doutrina de Bultmann às seguintes conclusões:

1) Ceticismo quase absoluto sobre o valor histórico do Novo Testamento (NT). Para Bultmann, os evangelhos estão menos interessados na pessoa de Jesus e mais no período posterior à sua morte. Os evangelhos são simples construções convencionais posteriores.

2) O cristianismo atual enlaça com o primitivo somente pela aceitação do querigma, que aparece em Rm 1,3-4; 6,3-4; At 2,21-24; 1Cor 11,23-26.

3) Somente desta forma nós podemos saber nada sobre a vida e a personalidade do Jesus histórico. Assim como Barth, Bultmann reage contra a figura perfeita do Jesus histórico reconstruído pela teologia liberal do séc. XIX. É pouco o que sabemos e podemos reconstruir sobre a figura histórica de Jesus. As afirmaçõees do NT sobre ele não se referem à sua natureza, mas à sua significação.

4) O tema central do evangelho é a morte e ressurreição de Jesus. A ressurreição não é um acontecimento objetivo, mas uma experiência viva que nos introduz numa nova dimensão da existência e nos liberta de nós mesmos, do pecado, para abrir-nos aos outros. Doutrinas tão básicas do cristianismo como a encarnação, morte, ressurreição e segunda vinda de Cristo dissipam-se numa interpretação existencialista da vida. A interpretação mítica dissolve-se num existencialismo que não deixa quase nada intacto no credo dos apóstolos.

A conclusão final de Bultmann é que o mito ou forma de pensamento em que aparece envolvido o Evangelho apresenta-nos uma versão manipulada e desfigurada de Jesus, Filho de Deus, que morreu e ressuscitou. Esse mito transmite-nos um querigma, uma palavra divina dirigida ao homem, que este deve aceitar de maneira desmitificada, isto é desprovida de sua proteção. O Cristo com que nos encontramos hoje é o Cristo da evangelização, não o Jesus da história. É o querigma desmitificado de formas do passado, todavia existentes na fé e na pregação de Jesus, que nos obriga e nos defronta a uma opção entre uma vida autêntica e outra inautêntica.
Da doutrina de Bultmann deduz-se que a fé cristã deve interessar-se pelo Jesus histórico para centrar-se no Cristo transcendente do querigma. A fé cristã, a fé no querigma da Igreja, pela qual se pode dizer que Jesus Cristo ressuscitou, e não fé no Jesus histórico.
Todas as Igrejas, após reconhecer a boa vontade de Bultmann, rejeitam a postura radical do grande mestre. Sua doutrina permitiu reconstruir melhor o Jesus histórico e sua função dentro da teologia atual. Os mesmos discípulos de Bultmann evoluíram para uma nova hermenêutica e interpretação da forma linguística da existência.

A ORIGEM DA BUSCA DO JESUS HISTÓRICO
A origem da busca do Jesus histórico baseou-se no pressuposto de que havia uma imensa lacuna entre a figura histórica de Jesus e a interpretação que lhe fora atribuída pela igreja cristã. O "Jesus histórico" que se encontrava no Novo Testamento correspondia à figura de um simples mestre da religião; a figura do "Cristo da fé cristã" não passava, portanto, de uma interpretação equivocada por parte dos escritores da igreja primitiva. Ao retroceder na busca do Jesus histórico, seria possível encontrar uma versão mais crível do cristianismo, despida de todos os tipos de acréscimos dogmáticos desnecessários e inadequados (como a crença da ressurreição ou da divindade de Cristo).
A POSIÇÃO DE RUDOLF BULTMANN (AFASTAMENTO DA HISTÓRIA)

Bultmann considerava que todo este movimento de reconstrução histórica da figura de Jesus era o mesmo que entrar em um beco sem saída. Para ele, a história não era algo de importância fundamental para a cristologia; bastava tão somente que Jesus existisse e que a proclamação cristã (que ele chamava de querigma[kerygma]) estivesse de alguma forma baseada na pessoa de Jesus. Assim, Bultmann reduziu todo o caráter histórico da cristologia a uma única palavra — "que". Em outras palavras, somente é necessário crer "que" Jesus Cristo é o fundamento da proclamação do evangelho (ou do querigma)
Para Bultmann, embora a cruz e a ressurreição sejam, de fato, fenômenos históricos (pois ocorreram no âmbito da história humana), devem, contudo, ser discernidos pela fé como atos divinos. No querigma, a cruz e a ressurreição estão interligadas como o ato do juízo de Deus e o ato da salvação de Deus. São precisamente estes atos divinos que possuem um significado constante, e não o fenômeno histórico que lhes serviu de suporte. Portanto, o querigma não se preocupa com questões históricas, mas sim em comunicar a necessidade de uma tomada de decisão por parte daqueles que ouvem a proclamação do evangelho, transferindo, assim, o momento escatológico de um passado distante para o aqui e o agora da proclamação em si:
Isto significa que Jesus Cristo nos encontra no querigma e não em outro lugar qualquer, da mesma forma que ele mesmo confrontou Paulo e o levou a uma tomada de decisão. O querigma não é a proclamação de verdades universais ou de conceitos atemporais — quer sejam o conceito de Deus quer sejam o conceito do redentor — mas sim a proclamação de um fato histórico... Portanto, o querigma não atua como um veículo de conceitos atemporais, nem como um mediador de informações históricas: o que é de importância decisiva é o fato de que o querigma é o "que" de Cristo, é seu "aqui e agora", um "aqui e agora" que se torna presente nas pessoas a quem a proclamação do evangelho se dirige.
Portanto, de acordo com Bultmann, não se deve ficar atrás do querigma, utilizando-o como "fonte" com a finalidade de reconstituir um "Jesus histórico" acompanhado de sua "consciência messiânica", sua "vida interior" ou seu "heroísmo". Essa reconstituição seria apenas "Cristo segundo a carne", algo que não existe mais. Não é o Jesus histórico, mas sim Jesus Cristo, aquele que pregamos que é o Senhor.
Parte importante da interpretação de Bultmann é o seu modo de entender a história. Ao contrário do idioma português, a língua alemã fornecia a Bultmann duas palavras correspondentes a “história”. A primeira, Historie, é usada em relação aos fatos da história. A segunda, Geschichte, é o termo que subentende o significado ou relevância de um evento na história. Com o uso destas duas palavras, é possível diferenciar entre o significado do evento e um fato real. Sendo assim, poderia-se dizer que Jesus morreu na Historie, mas sua real ressurreição se deu na Geschichte. Ou seja, ele não nega a existência do Jesus histórico, como fez a antiga teologia liberal alemã, mas nega a realidade dos eventos sobrenaturais que o envolveram.
Este afastamento radical da história alarmou a muitos. Como alguém poderia ter certeza de que a cristologia estava devidamente alicerçada na pessoa e na obra de Jesus Cristo? Como alguém poderia começar a checar a cristologia, se a história de Jesus era totalmente irrelevante? Para um número cada vez maior de estudiosos, pertencentes às áreas do Novo Testamento e dos estudos dogmáticos, parecia que Bultmann tinha apenas desatado um nó górdio, sem no entanto solucionar as graves questões históricas que estavam sendo debatidas.
Para Bultmann, no entanto, tudo que fosse possível ou necessário saber sobre o Jesus histórico era o fato de que ele existiu. Para o estudioso de Novo Testamento, Gerhard Ebeling, a pessoa do Jesus histórico é a base fundamental da cristologia, e uma vez que se demonstrasse que a cristologia nada mais era do que uma interpretação equivocada do significado do Jesus histórico, isso seria o fim da cristologia. Podemos dizer que com essa afirmação, Ebeling estava expressando as preocupações que constituíram a base para uma "nova busca do Jesus histórico".

PENSAMENTOS DE RUDOLF BULTMANN
"É precisamente pelo abandono radical e pela crítica consciente dessa cosmovisão mitológica da Bíblia que podemos trazer à luz a pedra de tropeço real, ou seja, o fato de que a palavra de Deus chama o ser humano a renunciar a toda segurança de obra humana."
"A fé é a renúncia por parte do ser humano à sua própria segurança e a disposição de encontrá-la unicamente no além invisível, em Deus. Isso significa que a fé é uma segurança ali onde nenhuma segurança pode ser vista; é como disse Lutero, a disposição de entrar confiadamente nas trevas do futuro."
"Creio que Deus atua aqui e agora, mas Sua ação é oculta, porque não é diretamente idêntica ao acontecimento visível. Ainda não sei o que Deus está fazendo, e talvez nunca chegue a sabê-lo, mas creio firmemente que é importante para minha existência pessoal, e devo perguntar-me o que é que Deus está me dizendo. Talvez esteja me dizendo apenas que devo agüentar em silêncio."
"A graça de Deus é a graça que perdoa pecados, isto é ela liberta o ser humano de seu passado, que o mantém preso. Liberta-o daquela postura do ser humano que quer se assegurar, lançando por isso mão do que é disponível e apegando-se ao que é transitório e sempre já passado".
"Portanto, o acontecimento ocorrido em Cristo é a revelação do amor de Deus, que liberta o ser humano de si mesmo, libertando-o para uma vida de entrega na fé e no amor. Fé como liberdade do ser humano de si mesmo, como abertura para o futuro, só é possível como fé no amor de Deus. Contudo, a fé no amor de Deus permanece auto-suficiência enquanto o amor de Deus for uma imagem criada pelo desejo, uma idéia, enquanto Deus não revelar seu amor. A fé cristã é fé em Cristo pelo fato de ser fé no amor revelado de Deus. Só quem já é amado pode amar".
"A palavra de Deus exorta o ser humano a renunciar a seu egoísmo e à segurança ilusória que ele próprio construiu para si. Exorta-o a que se volte para Deus, que está além do mundo e do pensamento científico. Exorta-o, ao mesmo tempo, a que encontre seu verdadeiro eu. Porque o eu do ser humano, sua vida interior, sua existência pessoal também se encontra além do mundo visível e do pensamento racional. A palavra de Deus interpela o ser humano em sua existência pessoal e, assim, o liberta do mundo, da preocupação e da angústia que o oprimem tão logo se esquece do além".